O título deste texto é extraído de uma música de um cantor da década de 70, Silvio Brito. A música em questão é completamente sem pé nem cabeça. Exatamente como os tempos que estamos vivendo, ao meu ver.

Cena número 1: Ministro do STF, suspende do exercício do mandato de deputado federal o presidente da Câmara, justificando a interferência de um poder noutro em razão de se vislumbrar “uma situação extraordinária, excepcional e, por isso, pontual e individualizada”. Afirma ainda que a “sintaxe do direito nunca estará completa na solidão dos textos, nem jamais poderá ser negativada pela imprevisão dos fatos. Pelo contrário, o imponderável é que legitima os avanços civilizatórios endossados pelas mãos da justiça”.

Notem que confere ao Poder Judiciário o papel de preceptor de mudanças e não daquele que é o fiel guardião da legalidade. Legalidade esta que, no caso, transcrita no texto constitucional na separação de funções de poder não dá, ao Poder Judiciário, e em especial ao STF, poder de ir além da lei (ou as competências do STF, descritas no art. 102 da Constituição, não valem nada?).

Cena número 2: O filho do acaso, recém empossado Presidente da Câmara, promete surpreender os colegas e cumpre a promessa: declara revogada a sessão da Câmara que apreciou a abertura do processo de impedimento da Presidente da República. Ato contínuo, o Presidente do Senado, afirma que o “jogo segue” e no final da noite o Presidente da Câmara revoga o que revogava. Para surpresa mais surpreendente da Nação.

Cena número 3: O Procurador Geral da República, que não tem lá muita coisa com que se ocupar (pelo menos é o que parece), tanto procurou que achou: pediu a federalização da investigação de cinco homicídios que aconteceram em 14 de maio de 2006 em São Paulo, no que ficou conhecido como “Crimes de Maio”, série de assassinatos ocorridos naquele período durante os ataques do PCC contra as forças de segurança do Estado de São Paulo, cujas investigações foram encerradas pela Polícia Civil de São Paulo e o MP paulista. Observem que o MP Federal quer revolver um caso de 10 anos atrás, que já foram alvo de apreciação pelas autoridades competentes. Só para lembrar: o “livrinho” (nossa combalida Constituição) não reparte as atribuições de cada ente da Federação, sem criar qualquer tipo de hierarquia entre os mesmos?

Cena número 4: Em sessão de quase um dia inteiro, Senado acolhe o pedido de impedimento da Presidente e a afasta por 180 dias. Dentre os Senadores, está um ex-presidente impedido que se diz ainda hoje vitimado pelos “pulhas”. Parte da população, logo ao amanhecer, ao saber notícia inicia um “buzinaço” pelas ruas, soltam rojões, entopem as redes sociais com toda sorte de mensagens. Enquanto a outra “torcida”, enfurecida, conclama seus pares ao combate, espalhando a hashtag #vaiterluta.

 

As cenas descritas são parte do caos em que estamos mergulhados.

 

Como assim? O que está acontecendo? Tá todo mundo louco? Oba?

 

Notaram algo em comum? Os Poderes estão batendo cabeça. Um querendo solapar o outro. Todos fora da borda delineada pelo “livrinho”. Judiciário interferindo no Legislativo. União interferindo no Estado. Senado dando de ombros pra Câmara. Ninguém respeita nada.

E nós? Nós conseguimos bagunçar até o conceito de sistema de governo. Temos um presidencialismo – chamado de coalizão – que, com dois presidentes impedidos em pouco mais de 20 anos, mais se assemelha ao parlamentarismo (com voto de desconfiança do Congresso). O presidente que não tem base estável no legislativo, está impopular e não faz a economia andar, é sério candidato a não terminar o seu mandato. Está aí. É presidencialismo ou parlamentarismo?

Alguns estão dizendo que não é bem assim, que, de um modo ou outro, as instituições democráticas estão funcionando. Que o impedimento da atual presidente, por crime de responsabilidade ligado à área fiscal, significará um grande passo no sentido de mostrar, exemplarmente, a todos os dirigentes do executivo do país que responsabilidade fiscal é “pra valer”.

Discordo. Talvez fique o alerta. Porém, creio que devemos nos perguntar algo mais importante, mais profundo: porque um prefeito, governador, presidente, acha que pode infringir a lei? Que certeza é essa que ele tem? Ou mais fundo ainda: será que o nosso processo de escolha (eleição) está adequado aos nossos anseios e necessidades? Debatemos estes temas (como responsabilidade fiscal, probidade etc) quando participamos desse processo de escolha? Será que escolhemos ou somos escolhidos? Não creio que possamos comemorar o afastamento de mais um presidente em tão pouco espaço de tempo. Algo está errado.

Tenho a percepção que estamos sendo cínicos. A atual presidente foi embora por que perdeu o apoio daqueles que lá a colocaram? Ou terão sido os interesses dos verdadeiros donos do jogo que, agora, se chocaram com seu governo? Não estou defendendo a presidente e seu ruinoso governo. Não dá para fazê-lo. Todavia, não podemos trocar presidentes assim, ainda que “revestidos” de forma legal, abruptamente.

Quando vemos o Estado, em suas funções de poder, “batendo cabeça”, é sinal que algo vai muito mal. Um mal que aflige a alma. O Estado, por nossa culpa, virou um fim em si mesmo. Deixou de ser a representação do poder popular. Vou lembrá-los que o “livrinho” afirma, sem pestanejar, que o poder emana do povo. O poder é nosso. E se está sendo usado de forma errada, também é nossa responsabilidade.

O colapso não está apenas em presidentes impedidos, mas também em juízes que extrapolam leis ao julgar, no MP que quer invadir a seara de atuação de outro e assim por diante.

Quero propor, sem paixão, que repensemos nosso papel como autores da nossa própria sorte. Todavia, acredito cada vez mais que, para isso, o “livrinho” merece ser revisto. A constituição tem dado claras amostras que necessita de importantes mudanças. Sistema político, eleitoral, tributário etc. Alguns, que são originalmente parte de uma constituição, talvez sejam mais urgentes (como sistema político). Outros, porque constitucionalizados, também só podem mudar se for por esta via (como sistema tributário e eleitoral).

Precisamos, com senso de urgência e sem açodamento nem oportunismo, debater a convocação de uma assembleia nacional constituinte exclusiva (revisora ou inovadora????). Nosso “livrinho” já não consegue dar mais as respostas e, de tão violado, precisa ser repactuado.

Recuperemos a sanidade.

 

Marcus Vinicius L. Ramos Gonçalves
www.brgadvogados.com.br

 
 
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