Tenho recebido alguns e-mails sugerindo que abordasse as “salvadoras” 10 medidas propostas pelo MP para combate da corrupção. Tais medidas redundaram de proposta de lei de iniciativa “popular”, com mais de 2 milhões de assinaturas de apoio. Sinceramente, gostaria de ver como conferiram o número de “assinaturas e seus signatários”… O PL 4.850/16, como é chamado o projeto, está caminhando na Câmara. Falarei dele mais adiante, quando for uma ameaça de verdade. Por enquanto é só um apanhado de bobagens que violarão de várias formas o “livrinho” (nossa tão combalida Constituição Federal). Aguardemos.

Quero abordar algo que veio em decorrência também da Lava-Jato. As empresas envolvidas nos casos investigados pela Lava-Jato fizeram muitas vítimas. Não são só o erário público e a população de um modo geral que pagarão a conta dos malfeitos dos envolvidos. Os ex-empregados dessas organizações arcarão duplamente com conta: como cidadãos e como profissionais.

Repetem-se narrativas dessas pessoas, agora desempregadas, sobre a dificuldade adicional que estão enfrentando, exatamente por seus empregadores anteriores estarem atrelados às investigações. Note que não estou falando de quaisquer empregados, mas sim daqueles que ocupavam escalões intermediários (gerentes, supervisores, coordenadores, engenheiros, contadores, analistas etc.). Estas pessoas não participavam diretamente da tomada de decisão da empresa malfeitora. Não articularam os esquemas bilionários com autoridades. Não planejaram nada e não decidiram nada. Todo o planejamento, decisão e ação foi realizado por escalões superiores, dos quais esses funcionários não participavam.

Entretanto, estão desempregados.

Compõem a massa de quase 200 mil demitidos por tais empresas. Pessoas que, depois terem dedicado parte da sua vida profissional às empresas que eram consideradas como exemplos de sucesso, percebem que, justamente por isso, terão muita dificuldade em se reempregar. Isto se acentua quando procuram empregos em empresas de setores econômicos diferentes daqueles das investigadas.

São comuns os relatos que, em entrevistas num possível novo emprego, o entrevistador pergunta:

– “Você não desconfiava do que estava acontecendo? ”

Ou ainda:

“Você não sabia de nada? Nada fez para evitar? ”

Talvez soubessem que algo fora do normal acontecia, no entanto, como provariam? Como denunciariam e em seguida conseguiriam emprego? Onde trabalhariam se boa parte das empresas desses mesmo segmentos econômicos também estavam envolvidas, formando uma autêntica “máfia”?

Parece incrível, entretanto, têm sido frequentes tais ocorrências. As escassas vagas num mercado em crise ficam mais raras para os “desempregados da Lava-Jato”. Invariavelmente esses ex-funcionários, de escalão médio, não conseguem outra chance. Não “passam” nas entrevistas. Não por conta de estarem menos aptos, mas porque, de alguma forma, ficaram associados à condescendência com a prática criminosa de seus ex-empregadores. Imagine-se nessa posição: desempregado e boa parte do que seria sua vantagem competitiva acaba se transformando num fardo, num ponto bem negativo.

Pois isto está acontecendo e ninguém vê. Ninguém lembra deles. Não se fala disso. Não se lê uma única linha sobre isso em jornais e revistas. Não os ouvimos no rádio e nem os vemos na televisão. Analistas disso e daquilo ignoram completamente tal realidade.

São vítimas. Vitimados pelo estigma de terem atuado em empresas que progrediam às custas de toda sorte de ilícitos.

Nosso “livrinho”, quando desenha os fundamentos da nossa República, fala da dignidade da pessoa humana. Estas pessoas deparam-se hoje com uma dupla dor: não podem garantir o sustento de suas famílias porque estão desempregadas e, num cenário de grave crise econômica, permanecerão mais tempo desempregadas do que outras em razão da sombra que arrastam. Sua dignidade, enquanto seres humanos, está solapada.

Não vi ninguém do Ministério Público do Trabalho falar disso. Nem os Sindicatos. Nada.

Aos demitidos, só há um alento: dada a pecha que carregam, cujos motivos não se relacionam às suas condutas, existe sim dever de indenizar por parte das empresas. A repercussão negativa, que cria uma “aura de iniquidade” em seus empregados e ex-empregados, reverbera de forma à torna-las suscetíveis de ações indenizatórias por danos morais.

Alguns desses empregados poderão pleitear uma justa e merecida indenização. O texto legal assevera que aquele que por ato ilícito causa dano a outrem, deve repará-lo. Está na lei. Podem estas vítimas buscar, via Justiça do Trabalho, o ressarcimento pelo desassossego e humilhação pelos quais têm passado. Sofrimento que não veio de suas atitudes e sim das criminosas traquinagens de seus ex-empregadores.

Mas, e daí? Quanto esperarão? Quanto sofrerão? Conseguirão emprego? Sobreviverão?

Mesmo que sejam indenizados terão uma marca, indelével, por terem prestado seus serviços aos que ajudaram a lesar a “viúva”.

Não creio que esta dor tenha alívio.

As repercussões do que fizeram estas empresas vão além do que a Lava-Jato investiga. Criaram uma chaga social que ficará aberta por muito tempo. Efeito colateral que muitos já sentiram e poucos perceberam.

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ e do Insper. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).

mvgoncalves@brgadvogados.com.br

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