“Garçon, aqui nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor
Garçon, no bar todo o mundo é igual
Meu caso é mais um é banal
Mas preste atenção por favor”
Não existe nada mais democrático que uma mesa de bar. Não importa sua nacionalidade, time de futebol, gênero, idade, instrução. Na mesa de bar todo mundo é igual. Lá sentamos e depois de alguns tragos, entendemos de tudo. Na mesa de bar falamos de tudo com todos. Viramos especialistas em política, apostamos na eleição do candidato X de um país distante, somos experientes comentaristas de partidas de badminton, sabemos dos meandros do futebol e do final da novela, achamos soluções óbvias para problemas complexos, entendemos de mecânica de automóveis. Sabemos mais de economia que os economistas, mais de medicina que os médicos, mais de direito que os juristas, mais da vida alheia do que os próprios. Na “mesa de bar”, somos oniscientes. Lá somos capazes de inferir, conferir e refutar tudo aquilo que não conhecemos mas, naquele lugar, julgamos ser especialistas.
No entanto, ao sairmos da “mesa de bar”, deixamos o especialista em tudo, que ali nos tornamos, lá. Termina ali. Voltamos para nossas casas e somos bons apenas naquilo que somos bons e nos preparamos para isso. Somos bons pais, professores, médicos, dentistas, advogados, engenheiros…
No entanto, a “mesa de bar” invadiu, já há alguns anos, nossas vidas. A “mesa de bar” saiu do bar e nos acompanha para todos os lados, em qualquer lugar. A “mesa de bar” não descansa – faz alarido na madrugada ou na hora do almoço. Não tem domingo, segunda-feira ou feriado. São 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano. A “mesa de bar” não arrefece nas festas, sejam santas ou pagãs. Nada, absolutamente nada detém essa “mesa de bar”. Essa “mesa de bar” passou a influir em nossos destinos, a ditar nossos comportamentos, a disseminar ódios, medos e preconceitos. Essa “mesa bar” é tão poderosa que elege presidentes e derruba outros. Determina diretrizes e políticas públicas e desta forma controla estados. Todos temem o que pode vir dessa “mesa de bar”…
Essa “mesa de bar” onipresente são os aplicativos de troca instantânea de mensagens (WhatsApp, Telegram etc). Notem que as conversas nela não terminam nunca e que, em seus grupos, todos entendem de tudo e acreditam poder espalhar tudo para todos. Verdades relativas, mentiras absolutas, não importa. O que recebemos espalhamos e exaramos opinião sem reflexão.
O pior é perceber que governos e seus agentes orientam suas ações pelo clima da “mesa de bar”. Tomam decisões e implantam políticas públicas com base nos comentários e repercussões dos aplicativos.
Reparem o que vem acontecendo nessa crise pandêmica. Toda sorte de informações, soluções, repercussões e consequências são disseminadas pela “mesa de bar”.
Quando os boatos prevalecem e as decisões estratégicas são tomadas pelo calor das conversas dessa “mesa de bar”, tem-se certeza da incapacidade dos governos, em todas as suas esferas, de todas as bandeiras, de se comunicar e coordenar ações. Falta-lhes autoridade para conduzir processos e procedimentos junto à população.
Ninguém refuta que a situação sanitária é preocupante, mas não é diferente de outros surtos que já tivemos anteriormente, onde não existia a “mesa bar” espalhando versões sobre a “cor da cobra”. Não se está propondo acabar com os aplicativos. Mas sim que se reflita sobre o seu uso. Sobre como a informação de interesse coletivo, disseminada sem critério, sem precisão e sem responsabilidade, é um grave problema social (e até econômico) dada a ausência de capacidade comunicacional e autoridade dos governos.
Será que o shut down que demos na atividade econômica vai evitar mortes? Ou as pessoas morrerão de outras coisas, como a fome advinda do desemprego? Se devemos lavar as mãos freneticamente e desinfeta-las com álcool gel, cabe a pergunta: nas favelas, sem saneamento há tempos em razão da inércia estatal, haverá água para lavar as mãos? Estas pessoas comprarão álcool gel a R$ 20,00 o frasco?
Parece que a pandemia só afetará uma camada da população…e essa camada da população, no desespero, estoca papel higiênico. Não dá pra entender.
Como ficarão os sem-teto, os miseráveis, os desempregados? E os abrigos e orfanatos, mantidos por doações, que têm que alimentar as pessoas sob seus cuidados? E agora, que a economia parou e as doações minguaram, o que farão? O que faremos?
Não se está, repita-se, refutando a gravidade de nada. Entretanto, devemos colocar em xeque a direção tomada pelas autoridades (sem autoridade…) e a qualidade de suas decisões, balizadas pela conversa da “mesa de bar”. Será que mensuraram as consequências? Ou agiram para fazer frente à gigantesca pressão que a conversa na “mesa de bar” gerou?
Razoável crer que faltou calma, reflexão e coordenação. Faltou liderança. Diante de uma crise global, não vimos as ações conjuntas, apenas um medo enfurecido, propalado pela conversa na “mesa de bar”. Países se fecham em suas fronteiras como se o vírus as conhecesse. Cada um faz uma coisa, sem saber se faz a coisa certa (e se acerta).
Não é o corona que parou o mundo: foi a desinformação da “mesa de bar” e a incapacidade dos governos em lidar com ela.
Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Ex-Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).
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