Nestas últimas semanas ficamos todos focados na votação da PEC 241 (a PEC do “Teto”, agora PEC 55 que transita no Senado). Já abordei o assunto, inclusive. Mas bem ao seu estilo, enquanto estavam todos “distraídos” com a famosa PEC e com fim das eleições municipais, o Presidente, sim o Presidente, realizou uma série de movimentos coordenados para alcançar os seu objetivos, mais exatamente a agenda de “reformas” que entende necessárias ao país.

Sei que o movimento passou despercebido, não saiu praticamente na mídia. Contudo, pretendo desvela-lo. Do que falo? Estou me referindo à reforma trabalhista.

Que reforma trabalhista? Pois é, a reforma começou e boa parte das pessoas nem se tocou…

Não há a menor dúvida que a CLT e o seu modelo de contrato de trabalho causam enormes dificuldades econômicas. Foi pensado para outros tempos, onde a maior parte da mão-de-obra estava alocada na indústria. O mundo mudou. A prova cabal de que o modelo está inadequado é o número de demandas trabalhistas nos tribunais. Em recente levantamento, descobrimos que o custo de manutenção da justiça trabalhista é quase o dobro daquilo que a mesma gera de vantagens aos empregados reclamantes. É a velha história do rabo que abana o cachorro… A percepção do anacronismo desse modelo contratual e legislativo parece-me mais ou menos inequívoca.

Todavia, o Presidente sabe que mudar esse modelo é importante para os objetivos do seu governo…Libertar setores econômicos das “amarras” do modelo CLT pode ser um divisor de águas.

Pois bem, este ó nosso ponto: o Presidente já começou a reforma trabalhista. Sim, estou afirmando que ele já deu o pontapé inicial.

O primeiro movimento foi dado com a aprovação de uma lei (13.352/16) que alterou uma outra, a Lei nº 12.592/2012, para dispor sobre o contrato de parceria entre os profissionais que exercem as atividades de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquilador e pessoas jurídicas registradas como salão de beleza. A nova lei, instituiu um tratamento “favorecido, simplificado e diferenciado” ao setor, possibilitando aos “salões de beleza” a celebração de “contratos de parceria” com profissionais que estão incluídos na categoria regulada (cabelereiros, esteticistas, manicures etc). Deste modo, o “salão parceiro” e  os “profissionais- parceiros” firmarão um contrato definindo as cotas-parte de cada um dos signatários, sendo que o salão deverá receber valores devidos pela atuação dos profissionais envolvidos na parceria, reter sua cota-parte percentual (sempre definida no contrato escrito) e fazer os devidos recolhimentos tributários e de contribuições sociais e previdenciárias quanto à cota-parte dos profissionais, responsabilizando-se, exclusivamente, por sua própria administração e pelas obrigações decorrentes da atividade empresarial exercida. A cota-parte que couber ao profissional regulado pela lei não será somada à receita bruta do “salão-parceiro”, mesmo que adotado o sistema de emissão de nota-fiscal unificada ao consumidor. A Lei prevê ainda que o “profissional-parceiro” pode optar por constituir-se em pequeno empresário, microempresário ou em microempreendedor individual. E aí vem o pulo do gato: o parágrafo 11, do art. 1º A, da referida lei, diz que “o profissional-parceiro não terá relação de emprego ou de sociedade com o salão-parceiro enquanto perdurar a relação de parceria”.

Perceberam? Tudo sem vínculo empregatício. No entanto, se esse regime contratual serve para salões de beleza e seus profissionais regulamentados, qual a diferença para outras empresas que também têm a sua atividade calcada em serviços de outros profissionais regulamentados (médicos, engenheiros, enfermeiros, fisioterapeutas, administradores etc)? Pau que dá em Chico, dá em Francisco. Ter-se-á que reconhecer a possibilidade do uso da lei, por analogia, para outros setores econômicos também.

Notem que o Presidente “flexibilizou” o vínculo empregatício, sem ir diretamente a CLT. Coisa de gente manhosa, que sabe bem que uma “mexida” direta na CLT ficaria emperrada pela forte oposição de grupos sindicais, do Ministério Público do Trabalho e do próprio Judiciário trabalhista.

Touché!

Porém o Presidente “pé de lã” não parou aí. Veio o segundo passo: o STF pautou (e adiou e tornará a pautar para breve) o julgamento do RE 958252, que versa sobre a Súmula 331 do TST. Para quem não sabe, é esta súmula que vem balizando a questão da terceirização no país. Segundo o texto sumular, fica vedada a terceirização de atividade-fim da empresa e permitida a de atividade-meio, responsabilizando-se, neste caso, a tomadora de serviços subsidiariamente pelo trabalhador terceirizado. Na prática, o tomador de serviços é quem acaba arcando com os ônus desse trabalhador, especialmente, nas ações trabalhistas.

Essa questão da terceirização vem sendo tratada por um projeto de lei que foi aprovado na Câmara, no ano passado, e que ainda não andou no Senado. O projeto permite terceirizar tanto a atividade meio quanto à atividade fim, pois não diferencia tais situações. Acontece que o projeto no Senado tem sido alvo de muitos conflitos e o seu trâmite não é dos mais céleres.

Se o STF julgar a terceirização legal, sem distinguir atividade meio ou fim, na prática, terá dado também uma “flexibilizada” no contrato de trabalho com vínculo empregatício dimensionado na CLT.

Touché novamente!

O Presidente, desta forma, terá “flexibilizado” o contrato de trabalho para alguns setores e via STF arrasa a discussão sobre a terceirização. O judiciário trabalhista não poderá se opor ao STF e a lei terá “flexibilizado” o contrato de trabalho sem mexer na “vaca sagrada sindical”, nossa velha CLT.

Tudo assim, sem muito alarde, sem despertar atenções e nem paixões. A cara de “mordomo de romance policial”. Fleumático. Ao estilo de Michel Temer!

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).

mvgoncalves@brgadvogados.com.br

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