Estou inspirado hoje pelas músicas da minha adolescência. Solta Engenheiros:

“Já não vejo diferença entre os

dedos e os anéis

Já não vejo diferença entre a

crença e os fiéis

Tudo é igual quando se pensa em

como tudo deveria ser

Há tão pouca diferença e há tanta

coisa a fazer

Esquerda e direita, direitos e deveres,

os 3 patetas, os 3 poderes

Ascensão e queda, são os dois

lados da mesma moeda

Tudo é igual quando se pensa em

Como tudo poderia ser

Há tão pouca diferença

e tanta coisa a escolher

Nossos sonhos são os mesmos há muito tempo

Mas não há mais muito tempo pra sonhar

Nossos sonhos são os mesmos há muito tempo

…”

Acabou.

Se alguém tinha qualquer dúvida sobre o exaurimento de nossa Constituição, o famigerado “livrinho” a que sempre me refiro, esta semana a incerteza terminou.

Já há algum tempo tenho “batido o tambor” de que a Constituição de 88 morreu. Vem sendo asfixiada pelo próprio estado. Numa entrevista em 18/06 deste ano, naquela peculiar emissora de TV, depois da traquinagem do “estado de calamidade de contas públicas” decretado pelo Rio de Janeiro (sob os auspícios de Temer), vaticinei:  “A constituição está morta. Precisamos de uma nova assembleia constituinte”. A entrevista não foi ao ar. Aliás, na entrevista sobre a mesma situação que dei ao Valor (e a Folha) dias antes, o trecho em que afirmo que a “constituição está morta e precisamos de outra” não foi publicado. Creio que a constatação não agrada. Pudera: tem muita gente que ganha com uma constituição que existe só no papel.

Quando assevero que o estado vem “esganando” o pobre “livrinho” pode parecer exagero. Não é. Basta observar. Talvez seja este o problema: não percebemos e estamos deixando o estado democrático de direito, onde tudo e todos se submetem à lei (fruto da vontade do povo), morrer.

O texto constitucional preleciona a independência, a harmonia e separação de funções de poder que, exercido em nome e pelo povo, devem organizar esforços na busca de alguns objetivos fundamentais (construir uma sociedade justa, livre e solidária; erradicar a pobreza, promover o bem de todos etc). Na mesma dinâmica, o “livrinho” diz que a administração desses poderes, deve-se balizar pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Já falei desses princípios neste espaço. Aliás venho, de uma maneira ou de outra, sempre fazendo referência aos tais “princípios da administração”.

No entanto, nesta semana pode-se perceber que rompemos a última barreira: o estado democrático de direito ruiu.

Reparem:

  • Um ministro do STF acha de afastar liminarmente o presidente do senado, a pedido de um partido de oposição, sem se atentar ao fato de que não há motivo que possa justificar a pressa (o “perigo da demora”) posto que não há razão fática para sustentar o receio de que o presidente do senado assuma o cargo de presidente, visto que o atual presidente e seu sucessor imediato não se ausentarão por ora.
  • O presidente do senado, em seguida, nega-se a cumprir uma ordem judicial porque entendeu que a ordem foi exarada em liminar e que liminar decidida por um ministro do STF não merece grande atenção.
  • O judiciário, que há muito tempo acha de ser protagonista político, tomando decisões além e aquém do texto legal, termina por “criar” uma solução para crise institucional, no mínimo, peculiar: o presidente do senado não preenche o requisito da moralidade, mas pode continuar presidente, desde que, dentre as suas funções, não realize a de sucessor da presidência da república.

Como assim?

Parafraseando Renato Russo:

“Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?

 “

Que país é  este? O que nos resta? Estocar água e comida? Fechar as escotilhas? Comprar foices e facões?

“…

Minha dor é perceber que apesar de termos

Feito tudo, tudo, tudo, tudo o que fizemos

Nós ainda somos os mesmos e vivemos

Ainda somos os mesmos e vivemos

Ainda somos os mesmos e vivemos

Como os nossos pais…”

 

Os anos passam e ao invés de evoluirmos, regredimos.

 

São eles os patetas ou somos nós?

 

PS: estou terminando de ler a PEC 287 da reforma da previdência… Falaremos dela.

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).

mvgoncalves@brgadvogados.com.br

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