Sim, somos só um título de eleitor. A frase não é minha. Ouvi a frase numa entrevista matinal, num canal televisivo, de um usuário que, para variar, estava por horas aguardando que o trem chegasse na estação de Francisco Morato. Um homem simples, face sofrida, bem a nossa cara, cara de povo. Reclamava que em Francisco Morato tudo era assim: sofrido, largado. Nada funciona. Terminou com essa frase do título. Quanta verdade e lucidez de alguém, aparentemente, sem muita instrução.
No entanto, essa pouca instrução não turvou sua percepção. Já entendeu que, para o Estado, para nossos homens públicos, somos só um título de eleitor. Exceção feita ao período eleitoral, estão sempre de costas aos clamores e necessidades da população. São nossos adversários.
Não têm o menor constrangimento em sê-lo. Sugam nossos recursos para manutenção de privilégios e um estilo de vida nababesco.
Ainda naquela manhã, ouvi a notícia que oito pacientes compartilhavam um respirador, num determinado hospital público. Isso significa que enquanto um usava, sete ficavam em sofrimento respiratório. Entretanto, no mesmo estado, o governador licitava o aluguel de jatos particulares para seus deslocamentos. Não tem dinheiro para respirador, mas para o confortável deslocamento de Sua “Excremência” tem?
Esta é apenas uma das mazelas a que nos submetem. Todos os dias lemos e ouvimos que a “equipe econômica” se esforça em ajustar o déficit de contas, Porém, mesmo com todo esse esforço, o rombo orçamentário ajustado será superior a R$150 bilhões. Essa cratera nas contas pode passar de R$ 800 bilhões, segundo alguns especialistas, até 2020.
Para tapar o buraco, somos sempre conclamados ao sacrifício. É reforma previdenciária aqui, corte num serviço público ali e falta de outra coisa acolá. Todavia, no que jogamos terra de um lado, eles tiram de outro.
E nem disfarçam: Ministério Público e Judiciário estão batendo panelas por reajustes de vencimentos. Aliás, nesse quesito, ambos, deviam ter vergonha de serem fiéis descumpridores do teto de vencimentos (o famoso teto do Supremo). Numa rápida pesquisa, veremos que muitos recebem “vantagens” outras que chegam a extrapolar a casa dos cinco zeros. Por mais que queiram, não têm explicação razoável.
No entanto, não são as únicas saúvas. Temos ainda o Executivo e o Legislativo. Só para ilustrar, o senil Senado vai gastar R$8,3 milhões com o aluguel de 85 carros para que todos os “excrementes” senadores possam ser confortavelmente transportados por aí. E a mesma coisa acontece na Câmara, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras de Vereadores, nos Tribunais, nas Secretarias, nos Ministérios etc etc etc. Todos de carro oficial, mas o “título de eleitor” tem que se conformar em ir de trem muuuito lotado, se tiver .
O discurso do controle de contas só funciona para nós, os “títulos de eleitor”. Se querem controlar as contas, tapar o buraco, deveriam parar de cavar. Não vi, até o momento, em nenhuma esfera de poder, qualquer tipo de sacrifício, de corte na carne. Sacrificam somente os serviços e o atendimento à população, sem tirar nada de suas imorais regalias. Devem ser compelidos a fruir os mesmos serviços que disponibilizam à plebe (andar de transporte coletivo, usar o SUS, educar os filhos em escola pública…). O estado não pode ser bom para uns poucos e perverso com a maioria.
Não podemos ser tratados apenas como “títulos de eleitor”, cuja função é sustentar e legitimar a tunga geral.
Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).
PS: Aliás, essa coisa de “carro oficial” já deu. Permitam-me: que tal combatermos essa “excrescência” (ou “excremência”, talvez)? Aguardem.
Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).
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