Creio que sou mané. Demorei meio século para chegar à esta conclusão. No pôquer, fala-se que se você se senta à mesa e, em um minuto, não é capaz de identificar quem é o otário, o otário é você. De ter demorado tanto, concluo que sou o otário. Sou mané.

Não raras as vezes em que me pego ouvindo alguma daquelas bandas nacionais dos anos 80 – Paralamas, Legião, Camisa, Titãs, Ultraje, Plebe Rude etc – penso que tudo está do mesmo jeito que há 40 anos passados. Não mudamos nada.

Séculos de inescrupulosa sorrelfa de governantes e apaniguados, exposta de forma gritante pela histérica pandemia, nosso sistema de saúde sempre consumiu volumosos recursos, sem ter recebido proporcional corpo de melhorias.

Pessoas morrem em filas de hospitais, em corredores de postos de saúde, aguardando medicamentos.

Não é de hoje.

Neste momento morrerão por ocasião da pandemia e não pela secular ineficiência de governos. Mentira suja que disfarça a podridão da tunga que nos impuseram há tempos. Arranjaram outra “Copa” ou “Olímpiada” para o garrote: a pandemia.

Vem agora o “marco legal do saneamento”.

Segundo a OMS, para cada R$ 1,00 gasto com saneamento, economizam-se R$ 4,00 em gastos com saúde. Ainda segundo a OMS, 15 mil pessoas morrem no Brasil por doenças ligadas à falta de saneamento e 350 mil são internadas por complicações decorrentes do mesmo fato. Temos uma “pandemia anual” que nos aflige, consome preciosos recursos e cuja solução é quatro vezes mais barata que o problema.

A nova lei, transforma os contratos em vigor em concessões com a empresa privada que vier a assumir a estatal e, assim, quem sabe, a tão necessária universalização dos serviços de saneamento ocorra.

Todavia, neste ou naquele modelo contratual, com investimentos públicos ou privados, se a solução é tão mais barata que o problema, quais os motivos da inércia ilógica que mata milhares de pessoas todos os anos?

Sabemos as respostas.

Queria crer que, em 2033, como reza a lei, teremos a cobertura de 99% de fornecimento de água tratada e 90% de esgoto.

O problema é que, para lá ou para cá, este ou aquele, direita ou esquerda, o movimento de chegada e partida de governos, que sempre prometem ceifar as delituosas práticas, em pouco tempo, mostra-se sempre como uma mudança de moscas apenas, permanecendo os mesmos dejetos.

Temo que, daqui a 13 anos, esteja dizendo que as músicas da minha adolescência ou pior, da adolescência dos meus pais (“lata d’água na cabeça, lá vai Maria, lá vai Maria…”) continuam sendo atuais. Temo continuar achando que sou mané.

 

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Ex-Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).

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