Num dia de “derby paulista”, coincidentemente, Moro prolata sua sentença condenando Lula. Falo do clássico paulista, para mostrar a divisão, a “briga de torcidas”.

E foi justamente essa divisão que estamos vendo.

Li a sentença. Não foi fácil. São 238 páginas. Nas 10 primeiras, basicamente o relatório. No restante, a fundamentação e a decisão. Condenação de 9 anos e 6 meses de reclusão.

Sem emoção mas com o bom olhar de quem gosta de Direito direito, não posso deixar de criticar a sentença. Seu autor, ao longo do texto decisório, parece querer mais justificar sua imparcialidade do que apreciar Direito. Existem 9 diferentes momentos no texto em que se afirma “imparcial”. Parece estar em dúvida sobre isso. E como duvida, verbaliza para que os outros acreditem e lhe creditem a tal imparcialidade. Mentira fácil de ver. Se tivesse mesmo o espírito de julgador imparcial, teria se declarado suspeito. Não basta que se diga imparcial, deve parecer imparcial.

No entanto, achei bem interessante uma passagem do seu texto:

 

“Por fim, registre-se que a presente condenação não traz a este julgador qualquer satisfação pessoal, pelo contrário. É de todo lamentável que um ex-Presidente da República seja condenado criminalmente, mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei. Prevalece, enfim, o ditado “não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você” (uma adaptação livre de “be you never so high the law is above you”).”

 

Revelador. Ao afirmar que não tem satisfação pessoal, mostra que a decisão foi sim pessoal. Além disso, e talvez pior, a citação do ditado que assevera que ninguém está acima da lei.  Moro não compreende o que seja submeter-se a lei. E mostra isso no curso da sentença.

Notem este trecho do julgado:

“Como defesa na presente ação penal, tem ele, orientado por seus advogados, adotado táticas bastante questionáveis, como de intimidação do ora julgador, com a propositura de queixa-crime improcedente, e de intimidação de outros agentes da lei, Procurador da República e Delegado, com a propositura de ações de indenização por crimes contra a honra. Até mesmo promoveu ação de indenização contra a testemunha e que foi julgada improcedente, além de ação de indenização contra jornalistas que revelaram fatos relevantes sobre o presente caso, também julgada improcedente (tópico II.1 a II.4). Tem ainda proferido declarações públicas no mínimo inadequadas sobre o processo, por exemplo sugerindo que se assumir o poder irá prender os Procuradores da República ou Delegados da Polícia Federal (05 de maio de 2017, “se eles não me prenderem logo quem sabe um dia eu mando prendê-los pelas mentiras que eles contam, conforme o texto de Fausto Macedo http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/se-eles-nao-me-prenderemlogo-quem-sabe-eu-mando-prende-los-diz-lula). Essas condutas são inapropriadas e revelam tentativa de intimidação da Justiça, dos agentes da lei e até da imprensa para que não cumpram o seu dever.

Aliando esse comportamento com os episódios de orientação a terceiros para destruição de provas, até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Entretanto, considerando que a prisão cautelar de um ex-Presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação. Assim, poderá o ex-Presidente Luiz apresentar a sua apelação em liberdade. ”

Reparem que Moro constrói todo um discurso que justificaria, legalmente, o encarceramento de Lula. Todavia, não o faz porque entende que uma prisão assim é “traumática”. Não me recordo de texto legal excluindo prisão por “trauma”. Reparem que nesse raciocínio, ou deixou de cumprir seu dever como juiz e não prendeu como deveria prender, ou tais situações inexistem e são uma construção sua, própria de quem se sente atacado e, portanto, sem qualquer imparcialidade. De todo jeito, o que se extrai, numa ou noutra intelecção, é que Moro não dá a mínima para lei, faz o que quer, julga do jeito que quer e prende quem quer.

Isso, nem de longe, é império da lei. É excesso de poder.

Vindo de um juiz, que deveria aplicar a lei ao pé da letra, é mais perigoso ainda. Vindo de um juiz-herói então…

No entanto, essa construção revela sua face verdadeira. Não quer ser julgador, imparcial, quer politizar a justiça, quer justiçamento.

Sei que boa parte das pessoas, ao ler este texto, dirão que enlouqueci, que estou do lado do Lula, que virei petista.

Nada disso.

Esta pontual análise da sentença (poderia fazer muitas outras…) serve para corroborar o que venho dizendo há tempos: estamos numa séria crise e as instituições não estão funcionando, estão apenas disputando poder.

 

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).

mvgoncalves@brgadvogados.com.br

Categories:News

Post your comment