Começar o texto de hoje, bem hoje, com o título acima, é “chamar para cabeça”. Sei disso. Mas foi golpe. Gostem ou não. Foi golpe. No dicionário a expressão “golpe” significa pancada, batida, impacto. Foi uma pancada, bem no meio da testa. Da nossa testa, da testa da lei.

O ministro Ricardo Lewandowski, que presidia a sessão de julgamento da “presidenta inocenta” (sic) permitiu um duro golpe na lei (ah, a lei…). Sem mesuras, direto ao ponto.

A lei 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade e regula o processo de julgamento é bem clara. Diz o texto da lei, no art. 2º, que os crimes ali definidos, “ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República(…)”. De solar intensidade: a perda do cargo é seguida de inabilitação para exercício de qualquer função pública.

Mais adiante, o art. 33 assevera que “no caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública; e no caso de haver crime comum deliberará ainda sobre se o Presidente o deverá submeter à justiça ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado.”

Reparem que ao Senado só poderia fixar o prazo de inabilitação e não deixar de inabilitar. Não existe tal possibilidade no texto da lei. Aliás, se a conduta é tão grave, a ponto de tirar a presidente do seu cargo, como mitigar os efeitos dos atos assim graves com a não inabilitação? Alguém pode explicar onde está a coerência disso?

Deram um jeito, naquilo que não tinha jeito.

Pensando bem, talvez haja uma explicação. De fato, nossos senadores, como julgadores, não têm a menor condição de julgar. Não entendem o texto legal e não se preocuparam em conhecê-lo. Fizeram um julgamento político que, de fato, solapou o bom direito. Rasgaram a lei.

Em verdade, isso demonstra que, com efeito, nossa representação política vai mal. Muito mal.

Despreparados e descompromissados. Não têm vergonha de mostrar a sua inépcia.

Já há tempos que venho “batendo o bumbo” da mudança de “livrinho”, que nossa combalida Constituição, de tão violada, já não consegue dar respostas. Nessa mudança, creio, devemos pensar em dar uma guinada.

Esse sistema eleitoral (majoritário e proporcional) não consegue mais dar respostas aos nossos anseios e necessidades. Nossos “representantes e escolhidos” estão viciados em poder. Querem lá ficar. No Legislativo, de forma mais grave, querem ficar eternamente, reeleitos. Essa forma de reeleição do legislativo proporciona a manutenção de autênticos “senhores feudais” que, por décadas permanecem no poder.

É preciso arejar…

Por isso, a mudança de “livrinho” não pode ser feita por aqueles que depois, logo em seguida, jogaram o jogo.

O nosso sistema eleitoral se esgotou. Está no esgoto. Nossa democracia deve ser repensada. Por que não pensar em acabar com o Senado da República, essa estrutura cara e sem qualquer apelo? Por que não tornar nosso modelo de participação mais direto, permitindo que a população possa, via celular (e seus aplicativos), manifestar sua vontade em referendos e plebiscitos? São ideias… Ruins ou boas, são ideias. Duro é não ter nenhuma. Voltarei, noutro momento, ao debate desse modelo político-eleitoral.

Todavia, por ora, não poderia me furtar de dar o recado: foi golpe; duro golpe na lei o que fizeram os Senadores. A presidente tinha que ficar inelegível.

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).

mvgoncalves@brgadvogados.com.br

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