Esse foi o clima. Apaixonado. Uma final de campeonato de futebol. Antes da partida, toda sorte de palpites: 2 x 1, 3×0, 1 x 2.
Como as torcidas estavam inflamadas, prepararam um grande aparato para contê-las. Milhares de policiais, zonas de restrição e até atiradores de elite.
Uma cidade inteira muda sua rotina por conta do jogo.
Narração ao vivo pelo rádio.
Mas não era um jogo, ou não era para ser um jogo.
Como cidadão até entendo essa polarização. Todavia, como alguém que escolheu o Direito como vida, não posso aceita-la.
Não conheço viva alma que tivesse dúvida sobre a condenação de Lula. Entrou (e saiu) condenado no tribunal.
O tribunal parece não se importar muito com a regra do jogo, especialmente, nas situações que envolvem a “Lava-Jato”. Não se preocuparam nem em perceber o enviesamento latente e patente da sentença recorrida, proferida por um juiz que, em momento algum, mostrou-se magistrado, imparcial. Moro atuou mais na condenação de Lula que o Ministério Público. Basta ler a sentença. Esse fato, apenas esse fato, já seria suficiente para que o Tribunal, composto por um colegiado de pessoas, justamente para isso, fizesse o controle e a revisão dos atos do juiz de primeiro grau. Este, sozinho, pode ser seduzido por muitas coisas. Para isso, o colegiado. O tribunal, instado a controlar o ato solitário, deveria, numa reflexão feita não por um e sim por um grupo, restaurar a legalidade.
Não o fez. Em verdade, num ritual de sacrifício humano, a sessão de julgamento nada mais era que um espetáculo midiático, um circo. Tudo já pronto, o réu continuaria condenado. Era o desejo da opinião pública (ou será da opinião que publica???). Lembro que o presidente da Turma, ao chamar o intervalo, faz expressa menção a leitura dos votos…Então para que perder tempo ouvindo os argumentos da defesa? Circo, puro circo midiático. Só quem lucrou com isso foram as rádios e televisões…perdeu o Direito.
Dentro desse contexto, de espetáculo, o tribunal optou curvar-se ao clamor da plebe que, tal qual numa arena romana, baixa o polegar, pedindo a morte do combatente.
Não nutro simpatia por Lula. Não creio na sua inocência. Porém, não posso concordar que não tenha um julgamento justo, dentro dos parâmetros legais do processo. Não posso admitir que seus direitos mais elementares sejam aviltados.
Hoje foi ele, amanhã eu e depois de amanhã, você!
A certeza de um julgamento justo é das mais importantes certezas que um estado democrático de direito deve poder assegurar.
Permitir que a aplicação da lei varie conforme a vontade do julgador e a cara do réu, é dar uma forte amostra de retrocesso institucional, de que somos sim uma ainda claudicante democracia, que nossas tão propaladas “instituições” não funcionam de verdade.
Ainda que a Bolsa estoure e o dólar baixe, devemos estar certos que a lei alcança e submete a todos, inclusive os julgadores. Quando isso não ocorre, com tranquilidade e naturalidade, fica evidenciada nossa fragilidade.
Lula não perdeu e nem teve sua pena majorada. Perdemos nós e tivemos nossa pena aumentada: continuamos condenados a sermos uma democracia rastejante.
Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).
Post your comment
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.