Com a chegada do mês de março e do Dia Internacional da Mulher recrudesce toda a discussão sobre o feminismo e suas vertentes, bem como, o debate sobre as pautas feministas. Movimentos mais radicais, anticapitalistas, acreditam que o capitalismo é a raiz da desigualdade de gênero, e outros, mais comedidos, como a campanha da ONU chamada “HeforShe”, que incentiva os homens a ajudar na remoção das barreiras sociais e culturais que impedem as mulheres de atingirem o seu potencial, têm tornado o tema recorrente e acessível. No entanto, entre tantas reivindicações, destacam-se algumas, que podem ser consideradas as principais pautas de tais movimentos: o combate à violência contra a mulher, a igualdade de tratamento entre homens e mulheres e o fim do assédio sexual.

 

Nesse sentido, em âmbito nacional, a Lei no. 13.104/15 alterou o Código Penal, criando a figura do “Feminicídio”, que, numa linguagem mais fácil, se caracteriza por matar uma mulher por razões da condição de sexo feminino, considerando-se que existem razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar, bem como, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Ainda que de má lavra, o texto legal apena a conduta com reclusão mínima de 12 anos e máxima de 30 anos. De toda sorte, ainda que tenhamos toda a dificuldade estatal em apurar e perseguir toda sorte de crimes, a lei representa um alerta à uma situação fática, que se escancara: mulheres morrem nas mãos de seus maridos, pais e até filhos. Os números trazidos pelo Instituto Maria da Penha ilustram bem tal realidade em nosso país: aproximadamente 30 mulheres fisicamente atacadas por minuto, uma mulher vítima de arma de fogo a cada 2 minutos, cerca de 3 mulheres espancadas por minuto e por aí vai.

 

Noutra seara, no mercado de trabalho há uma grande diferença entre os sexos nas posições de liderança e chefia nas empresas. Estudo da McKinsey mostra que há apenas uma mulher em cargo de chefia para cada 10 homens. Além disso, em 2018, foi realizada uma pesquisa pela Catho, que demonstra que entre aproximadamente 8 mil profissionais examinados, as mulheres ganham menos que os colegas do sexo oposto em todos os cargos, áreas de atuação e níveis de escolaridade, sendo que as maiores diferenças salariais se dão entre os profissionais de nível superior e MBA, sendo que em alguns casos as mulheres ganham quase a metade do salário dos homens. Mais ainda: muitas vezes mulheres não são contratadas porque estão em idade de procriar e a lei lhes garante a estabilidade e a licença maternidade. Outros empregadores evitam a contratação de mães com filhos pequenos, por conta da ameaça de se ausentarem pontualmente em caso de doença de seus pequenos. Mulheres convivem com o receio da maternidade na vida profissional.

 

Não fosse o bastante, convivem com as mais variadas formas de importunação sexual. Seja no trabalho, na escola, na rua ou na balada, não raras as vezes têm de lidar com a falta de limites de alguns que acham que toda mulher gosta de ser cantada. Novamente mergulhando nos números, também com base nos dados do Instituto Maria da Penha, a cada 1,4 segundo uma mulher é assediada, a cada 4,6 segundos uma mulher é assediada no trabalho e cada 6,1 segundos uma mulher é assediada em transporte público. Mesmo que tenhamos aprimorado nossa legislação penal, com figuras como a importunação sexual e o próprio assédio sexual, mulheres têm que se defender o tempo todo, pois o inimigo pode estar ali, ao seu lado, como colega de trabalho ou passageiro do ônibus que a leva para casa.

 

Como será viver assim, sempre com receio do que se espreita? Pode parecer exagero, mas não é: o risco está sempre aqui e acolá, mais próximo do que parece.

 

Particularmente, não creio que estejamos em tempo de debater apenas sobre a igualdade entre homens e mulheres. Acredito que, de algum modo, todos saibamos que sim, somos todos iguais em direitos e deveres. Contudo, afirmo que a luta da mulher é por viver sem medo. Devemos, todos, homens e mulheres, entes públicos e privados, pessoas físicas ou jurídicas, dedicar nossas ações e atenções para assegurar que as mulheres não vivam com medo. Maior ou menor, não importa, mulheres têm medo de viver porque somos violentos, em vários sentidos, para com elas. Devemos repensar costumes, crenças e atitudes, de modo que elas não sintam mais medo por serem o que são. Cabe a cada um de nós vigiar e atuar para combater essa cultura da ameaça e violência que cerca a mulher, seja no trabalho, no condomínio, na rua, onde for.

 

Que hoje, dia da mulher, reflitamos sobre o que elas de verdade desejam: mulheres querem é viver sem medo.

 

 

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. de Compliance – Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).

 

2 thoughts on “Elas não querem só igualdade, querem é viver sem medo”

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Excelente texto, com uma visão social panorâmica, técnica e humanitária!
O que as mulheres realmente precisam não é apenas proteção legal.
Concordo plenamente com o nobre jurista, ela precisa de cuidados, reconhecimento e compreensão, ainda que toda evolução tenha nos demonstrado que esse espaço está em disputa, nós homens, sociedade, mundo, precisamos aceitar essa proposta e lutar ao lado delas…
Parabéns ao escritório BRG e ao instituto Iladem que fazem um belo trabalho em proteção a todas as mulheres!

Forte abraço e obrigado por compartilhar conosco a nobreza do conhecimento!

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É importante termos homens trazendo a temática ao debate – e não se trata de subtração da fala das mulheres, mas de soma, na luta diária por um mundo menos desigual.
Parabéns!

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