Dias atrás recebi um vídeo do Tom Cavalcanti. Imitava o governador João Dólar. Num quadro, parodiando o infame governador, o humorista dizia que ele, João Glória, era um gestor, porque fazia muitos gestos. Perfeito. Nossos gestores são gestores assim, de gestos. Só gestos. Nada sério, nada para valer. O que vale são os gestos. Todavia, não raras as vezes, nem isso fazem direito. Muitos gestos são confusos e nada atentos à realidade.

A gestão da pandemia é um trágico exemplo. Sinais trocados e frases incongruentes com as ações têm sido a tônica.

Quase 60 dias de atividade econômica congelada, sem trânsito, e as ruas continuam esburacadas e mal cuidadas. Ao invés de aproveitar o momento de ritmo mais lento na cidade para realizar a zeladoria, decidiu Bruno Covas ser o cavaleiro do apocalipse covídico.

Na percepção de que o “FIQUE EM CASA” não estava funcionando, que as pessoas não estavam aderindo integralmente à recomendação, primeiro criou bloqueios em vias importantes, como uma “inteligente” forma de dissuadir as pessoas a saírem de suas casas. Conseguiu criar um caos regionalizado.

Como a medida não tinha pé nem cabeça, mandado às favas a motivação e o Princípio da Razoabilidade que devem orientar qualquer agente público, determinou um rodízio total de veículos cuja variação se dava pelo critério de ser a placa par ou ímpar. Incidiu no mesmo erro jurídico, acrescentando outro: há uma lei paulistana que tem critérios para o rodízio municipal e a alteração dos mesmos só poderia ser feita por outra lei e não por decreto.

Desprezando as situações de direito, Bruno Covas deu amostras de que desconhece completamente quem somos. Tirar os carros das vias ou criar entraves à sua circulação só serviu para aumentar o fluxo no transporte público e, consequentemente, a aglomeração que diz pretender combater. Não fosse o bastante, na semana seguinte, alertado da sandice por alguém, restitui a sua forma original do rodízio, esta sim, escudada na lei

Não satisfeito, veio com a fanfarrice de alterar os dois feriados. As pessoas tiveram pouco mais de 24 horas para se adaptar à uma folga na semana que não é seguida, por exemplo, pelos bancos e o mercado financeiro. Até o momento, nas ruas movimento normal, dentro dessa nova normalidade. Ou seja: mais uma ação inócua, sem planejamento, que não teve qualquer diálogo com a sociedade e que, como as anteriores, malogra.

Para não deixa-lo só, João Dólar, não fica atrás nos gestos. Talvez por sentir alguma “culpa” por tê-lo legado à cidade, também anunciou uma antecipação de feriado.

Como não conhecem nossas matizes, não se deram conta de que o grande drama se dá nas camadas mais pobres, cujo enterro econômico lhes empurra à morte. As imagens nas emissoras de televisão, recriminando o desrespeito do “lacrador” #FIQUEEMCASA, só mostram pessoas brancas correndo ou andando de bicicleta ao redor de parques ou em ciclovias. Quando mostram a periferia, abordam o desatino em “pancadões”. Por que não mostram o movimento das ruas das favelas de pessoas tentando ganhar o mínimo para sobreviver? Não é necessário ir longe, basta dar uma voltinha no Brás, por exemplo. As pessoas correm de casa não para passear, mas para buscar seu ganha pão. Favelas bonitas, de pessoas felizes, só existem nas novelas. Mostrar o Itaim Bibi é fácil, já o Paulista…

Noutro exemplo, em coletiva recente, em que anunciou a continuidade da interdição das atividades econômicas, deveria ter sido indicado ao Oscar. Com a voz embargada, anunciou a medida. O interessante é que, na vigência da “ordem” do uso de máscaras, ele, seus asseclas e nosso prefeito acidental estavam, todos, sem tirar nem por, sem máscara. O decreto das máscaras é outra pérola…

Gestos dos gestores que revelam o que realmente pensam… Percebem como os gestos são só gestos e não tem nada de gestão?

Com isso, nosso estágio de anomia vai evoluir, já demos sinais de que a vivemos. Esse estado da sociedade em que desaparecem os padrões normativos de conduta, e o indivíduo, em conflito íntimo, encontra dificuldade para conformar-se às contraditórias exigências das normas, vai se intensificar. As pessoas tendem a não observar comandos quando não entendem o seu sentido. Os gestos de nossos gestores dão sempre a impressão de um improviso, de que não sabem o que fazer e como fazer.

Pagaremos o preço de nossas escolhas radicais, ora preferindo “salvadores” populistas de uma cor, ora de outra, sem observar com critério se os “messiânicos salvadores” têm o necessário preparo para realizar aquilo que se propõem.

De toda forma, sim, barata voa.

 

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da BRG Advogados. Professor de Compliance da Pós-Graduação da FGV-RJ. Ex-Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).

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