Tempos difíceis, não só aqui no país do futuro, mas no resto do mundo. Tomo a liberdade de voltar a este nosso espaço para tratar de um tema que passou pelos noticiários e merece uma reflexão.

Temos observado uma onda extremista, xenófoba, que se derrama por todas as partes do mundo, inclusive aqui. Em especial, uma cena, retratada em muitos jornais mundo afora, tocou-me muito: a foto da menina guatemalteca de 2 anos, chorando diante da investida de uma oficial americana, frágil como qualquer criança. Parte da maior economia do mundo, uma feroz e covarde ação no sentido de evitar os indesejados imigrantes, especialmente os latinos. Na realidade podemos dizer que indesejados são os latinos pobres, porque não os vi recusar os endinheirados. O país que se construiu justamente com a imigração, agora quer combate-la, como não tivesse extraído suas forças diretamente dela. No entanto, mais chocante ainda é segregarem crianças de seus pais, como nos famigerados campos de concentração nazistas que, inclusive, num passado recente ajudaram a combater.

 

Todavia, a torrente xenófoba parece alagar também a Europa…Italianos e austríacos, por exemplo, com seus novos “governos” ameaçam fechar suas fronteiras aos filhos da miséria, fugidos da fome e da guerra na África e no Oriente Médio. Governos de países mais “abertos” e até então mais “receptivos” aos refugiados, como Alemanha e França, vêm sofrendo forte pressão da opinião pública para que tomem medidas mais restritivas ao ingresso das “hordas de miseráveis”.

 

Observem: povos que a pouquíssimo tempo atrás saíram de seus países para todos os cantos do mundo, são agora defensores do fechamento de fronteiras. Gente que fora perseguida e fugira de regimes totalitários e guerras, dentro da própria Europa, quer garantir o seu bem-estar sem preocupação com outro. Ontem era eu e se hoje é você não me interessa…

 

Gente que produziu a Carta de Direitos do Homem e do Cidadão e a Declaração Universal de Direitos Humanos, exatamente após situações de tensão e medo, querem condenar outros seres humanos, vitimados em seus países por situações análogas àquelas, a morrerem em seus países, vendo seus filhos também sucumbir.

 

Não nos iludamos: nós, vizinhos da Venezuela, temos o pedido de um de nossos estados para fechar as fronteiras a fim de deter os famintos oriundos de lá. Porém, o espantoso, é que tenho ouvido muita gente concordando com a medida.

 

O que nos tornamos? Não nos toca a miséria alheia? Não nos toca o sofrimento do outro? Não nos toca o choro das crianças? Será que esquecemos o que o desprezo e o desrespeito aos direitos humanos foi capaz de gerar? Lembremo-nos que, na própria Declaração, em seu preâmbulo, admitimos que o reconhecimento da dignidade da pessoa humana é a condição fundamental à paz no mundo.

 

Se não aprendemos, e exemplos não faltam para isso, esses ciclos se repetem…

 

Os “líderes defensores nacionais”, que andam por aqui e acolá apregoado uma falsa e egoísta visão de “pátria”, de autossuficiência, de isolacionismo benéfico, serão os mesmos que, tempos depois, também perseguirão seus compatriotas que não concordam com seu modo de pensar e, desta forma, acabarão por fomentar outras levas de miseráveis perseguidos vagando pelo mundo. Os que querem cerrar fronteiras, desprezando o que ocorre do outro lado delas, negam a sua gênese e/ou sofrimento recém passado, esquecem que, talvez, as fronteiras que hoje querem ajudar a defender, serão as paredes que lacrarão as liberdades de seus filhos, num futuro talvez não tão distante.

 

Assim caminha a humanidade…Para onde?

 

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).

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