Não sou dado a extremismos. Não gosto de posições radicais. Do absolutamente contra ou absolutamente a favor. No entanto, tem hora que o sangue sobe.
Confesso: esta é uma delas.
Ao ler os jornais de hoje, fui tomado por um desejo… algo do mal…
Depois de ler sobre a aprovação da “PEC do Teto”, sem que se debatesse a qualidade do gasto público, quase surtei ao ler o voto do ministro Barroso sobre o aborto.
Achei que tinha terminado o festival de insanidades. Não, ledo engano.
Na madrugada, à sorrelfa, a câmara dos deputados, votou a medonha “lei anticorrupção” (PL 4850), cheia de “penduricalhos”. Sim, nesta madrugada, enquanto dormíamos, nossos deputados cumpriam seu valoroso papel.
Vamos aos fatos.
Estamos tomados por um estado de insanidade coletiva. Os exercentes de poder estão se engalfinhando.
O judiciário, já há muito, não está nem aí para o texto da lei. Apenas como amostra mais recente, a decisão do ministro Barroso manda às calendas a ideia de separação de funções de poder e dá claros sinais de que o judiciário entende que não é escravo da lei. Notem o teor do texto do voto do ministro: “No caso aqui analisado, está em discussão a tipificação penal do crime de aborto voluntário nos arts. 124 a 126 do Código Penal, que punem tanto o aborto provocado pela gestante quanto por terceiros com o consentimento da gestante. O bem jurídico protegido – vida potencial do feto – é evidentemente relevante. Porém, a criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade. “
Oi? Como assim? O texto do Código Penal cria alguma excepcionalidade relativa à idade do feto? Os direitos fundamentais da mulher só existem até os 3 primeiros meses de gestação? Depois disso prevalece a garantia do direito à vida prevista no caput do art. 5º da Constituição Federal (nosso combalido “livrinho”…)? E o art.2º do Código Civil que, desde a concepção, põe a salvo os direitos do nascituro? Qual o critério???
Não quero entrar na polêmica da ampliação das hipóteses de aborto legal. Não é isso.
O que causa espanto é o ministro dizer que lei não deve ser cumprida. Ao fazê-lo, contrariando o texto vigente, parece querer legislar, quando sua função não é essa.
Em contrapartida, instado a se manifestar sobre a decisão do STF, o presidente da câmara dos deputados, o “menino maluquinho” Rodriguinho Maia, instala comissão para debater o aborto. Como o STF parece querer legislar, a câmara agora vai correr para mostrar quem tem que legislar. Muito bom!!!
Não foi tudo.
A câmara dos deputados vota durante a madrugada as “medidas anticorrupção”. Será que o projeto atende às nossas necessidades? Esta legislatura é a mais adequada para debater medidas desse jaez? Têm condição para isso? Não estaremos, mais uma vez, fazendo um “puxadinho”, sem nos debruçarmos sobre a origem desse mal que, na minha opinião, reside no esgotamento do nosso sistema político eleitoral?
Semana passada, o executivo federal estava mergulhado numa crise por conta da saída de um ministro que dissera ter sofrido assédio de outro ministro. Foram quase 10 dias para resolver algo que poderia ter sido feito em 2. O acusado Geddel, se republicano fosse, cioso do seu dever de moralidade (está escrito no “livrinho” que a administração pública deve se orientar pela moralidade, art. 37) teria se afastado, para que se apurasse a acusação do outro ministro. Assim, teria poupado quem lhe honrou com o cargo. Como não o fez, de pronto, no segundo dia do imbróglio, quem lhe concedeu a honra do cargo, o presidente, deveria tê-lo afastado. Simples. Como manda o “livrinho”.
Por fim, na mesma ciranda, a aprovação da “PEC do teto” sem trazer ao debate a qualidade do gasto, é pra “inglês ver”. O cerne da questão do gasto não está apenas no “teto”, mas, em especial, no porquê se gasta. Caso contrário, será apenas mais um “teto”, exatamente como o “teto” de vencimentos do funcionalismo público, o famoso “teto do supremo”. O “teto do supremo”, ao longo dos anos, tem sido desrespeitado por todos, inclusive aqueles que deveriam ser o exemplo de cumprimento da lei (o judiciário). Para quem dúvida, basta olhar os valores dos pagamentos feitos. Verão que o teto é um, mas existem verbas com outros nomes, como “vantagens pessoais”, que tornam o teto uma espécie de teto solar de veículo: quando você abre, o céu é o limite.
Triste.
Percebem? Ninguém cumpre a lei.
E só há democracia com a lei.
Vivemos um impasse: todos (judiciário, legislativo e executivo) são incapazes de atender aos anseios da população e esta, por sua vez, está esgotada por ter que sustentar uma estrutura absolutamente incapaz de atendê-la.
Quando li sobre os acontecimentos ora relatados, pensei: “Bem que o avião, ao invés de pessoas queridas e de bem, podia estar lotado com todos os deputados da câmara…”
Tenho certeza que se o avião tivesse caído, “cheinho” de deputados, a comoção nacional seria outra. As pessoas sairiam às ruas para comemorar. Teríamos a certeza que Deus é brasileiro, pois teria nos livrado daquilo que não fomos capazes de fazê-lo até então. Festa geral, ruas tomadas pela população em êxtase. Creio que teríamos uns 7 dias de comemorações.
Sei que o que pensei não é bonito. Não se deseja o mal à outrem…Contudo, sou humano. Desejei que o avião estivesse lotado de deputados.
Neste exato momento, tenho a percepção que esperamos por um milagre: torcemos por uma tragédia que nos livre deles.
Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).
mvgoncalves@brgadvogados.com.br
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