Fiquei calado. Preferi o silêncio observador por estes meses. Não que não se tenha o que falar. Teve muito. Passagens hilárias, cômicas não fossem dramáticas. Que fase!! Pergunto-me se é uma fase ou fado; talvez também um fardo. Quando deixaremos de ser o país do futuro? Que futuro é esse? Qual é o plano? Entra este ou aquele e não consigo enxergar onde chegaremos. Só o que continuo vendo é a manutenção de gente despreparada para governar, que só se preocupa em “jogar pra militância” (especialmente em “redes sociais”, até imitando o pobre do Gene Kelly). Nada muito diferente dos outros alucinados recém saídos.

No entanto, face aos fatos (sempre eles…), não pude calar. Tenho ouvido sobre um tal “pacto entre os poderes”. Pensei em tudo que li sobre a separação de funções de poder…Fiz questão de reler o “livrinho”. Sim, ainda está lá (ufa!), “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

O que não dá para entender é o que seria esse “pacto”. Que o Legislativo e o Executivo “combinassem o jogo”, em nome da afamada “governabilidade” é inteligível, ainda que perigoso. Agora o Judiciário participar disso, soa perturbador.

Voltei ao “livrinho” e verifiquei que, exceção às questões de sua própria organização e administração, incumbe ao poder judiciário julgar. Julgar conforme a lei e a Constituição. Aliás, as garantias ali dadas aos seus membros e ao próprio, visam justamente assegurar que cumpra o seu dever com independência.

Dependência, só da lei. Fica estranho pensar em “pacto” com o Executivo e o Legislativo.

Ainda que simbolicamente “pacto”, que seja uma “carta de intenções”, é esse o papel do Judiciário? Associar-se ao Executivo e o Legislativo? Não seria assegurar que todos cumprirão a lei? E se o Executivo e/ou Legislativo, em nome da “governabilidade”, do “novo modelo de política”, atropelarem o “livrinho”, a quem recorreremos?

Venho afirmando, já há alguns anos, que nossas “instituições” não funcionam, que estão carcomidas. Está aí mais uma demonstração. Um Judiciário que quer participar do governo, quer dar governabilidade e, vez por outra, adora legislar.

De chorar.

Só para lembrar, o Executivo vem “(des)governando” na base do decreto, com a caneta na mão, que nas palavras de seu “pontíficie”, é mais poderosa que a caneta do chefe da casa do povo. São 157 decretos em 150 dias. Só perde para Collor (o insano), por enquanto.

Faz-me lembrar de um personagem de Jô Soares, um egocêntrico rei anão assessorado pelo sábio “Eminência”, que dizia assim: “Deste solo que eu piso, desse povo que eu amo, que que eu sou? Que eu sou? Que que eu sou?” . Imediatamente, ouvia como resposta de seus vassalos: “Sois rei! Sois rei! Sois rei!”. Se a vida imita arte, isso mais parece uma profecia, com exatidão de tamanho de personagens.

Se a ideia do executivo é de governar na base do decreto, sem a chancela do poder legislativo, vamos mal. Logo pensaremos: Para que legislativo? Melhor fechar!

E como o legislativo não consegue ressoar a vontade popular, talvez uma parcela mais barulhenta da população apoie o “encerramento” do legislativo. Tenho certeza de que as vozes das “redes” clamarão por isso, ainda que sejam vozes não naturais.

Contudo, se o judiciário “participa” do governo e não julga conforme a lei (já de algum tempo, diga-se de passagem) mas como dita o “clamor popular”, pode ser que passe…Fica mais governável com dois e rapidamente concluiremos que um só mandando é melhor. Possível que a “plebe” concorde e, como na arena romana, peça com polegar para baixo que se “finalize”.

Usando a dinâmica da “fé cristã”, tão em voga aqui nestes tempos, a ideia de que “a voz do povo é a voz de Deus” não se mostra sempre acertada. A “voz do povo” comete erros crassos: preferiu Barrabás a Jesus, no julgamento conduzido por Pilatos, como bem sabem os cristãos. Ainda sobre a mesma história, ao final o julgador lavou as mãos e debitou a responsabilidade da condenação de Jesus ao “povo”. Este sim é que mesmo sem entender com exatidão o que está fazendo, como sempre, pagará a conta.

Os fins não justificam os meios, não se brinca com a Democracia.

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).

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