Creio que podemos conhecer muito de uma pessoa pelo que ela diz, mais ainda quando aquilo que tenha dito também o tenha escrito.

Michel Temer foi professor PUC-SP, coordenador da Pós em Direito da mesma e Diretor da Faculdade de Direito de Itu. Além disso, foi procurador geral do Estado de São Paulo, deputado constituinte, presidente da Câmara por 3 vezes e Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo por 2 vezes (inclusive, assumindo a Secretaria logo após ao massacre do Carandiru). Articulador, discreto, sempre se pautou pela tranquilidade e capacidade de articulação e negociação. Lembro-me de seu lema de campanha para deputado federal: Ética e dignidade.

Caro leitor, conheci Michel Temer em 1993. Mas em 1994, em plena campanha para deputado, recebi a incumbência do então presidente da Associação das Indústrias da Panificação de São Paulo, Frederico Maia, de ajudar na campanha dele. O meu papel era de servir apenas como um elo de ligação da campanha com o setor da panificação em São Paulo. Tive alguns encontros com o então candidato na sede do seu comitê de campanha, na rua Antonio Batuíra, e fui brindado com um presente que recebi dele: um livro que trazia uma coletânea de textos de sua lavra. Por estes dias, pensando sobre como as coisas vão se desdobrar num governo Temer, deparei-me com o livro e decidi relê-lo. E são estas impressões que colhi desta leitura que quero compartilhar.

O livro se divide em eixos temáticos e cada eixo é composto por textos curtos, mas reveladores. Decidi abordar aqui o seu pensamento sobre o próprio impeachment, o sistema de governo e a reeleição.

Começarei pelo meio do livro. Lá tem-se o tópico “Impeachment” (que falava do presidente de então, Fernando Collor), com 3 textos, um deles chamado de “Receita para o Presidente” (pág. 37), destaco:

Para grandes males, grandes remédios. E o remédio para o país, agora, funda-se na Constituição, único documento hábil para indicar os caminhos institucionais.
E o “livrinho”, diante de tantas acusações que respingam no presidente, recomenda a via da apuração de responsabilidade política ensejadora, se for o caso, do “impeachment”. Esse processo não visa, necessária e indispensavelmente, ao impedimento.
Na verdade, o “valor” buscado pelo processo de responsabilização política – que as Constituições modernas autorizam – é a pacificação nacional.
Por isso 2 resultados podem advir desse processo: ou o presidente é julgado e afastado, assumindo o vice (caminho também indicado na Constituição); ou absolvido, e daí deixa-se o presidente trabalhar. É tão relevante esse processo que dele participam o povo e os Estados. O povo por meio de sua casa representativa, a Câmara dos Deputados, que pode declarar a procedência da acusação por dois terços de seus membros, os Estados, por meio de sua câmara representativa, o Senado federal, que processa e julga o presidente.
…Não há mais condições para deixar em branco acusações sérias, despertadoras de gravíssimas suspeitas. Nem ele presidente, pode governar debaixo delas. Nem renúncia é instrumento adequado para o momento. A renúncia é meio para impedir a apuração, o que, muitas vezes, transforma o agente político em mártir. Que, um dia, retorna sobranceiro.
O ideal é que se apure. É possível que nem se consigam dois terços de votos para considerar procedente a acusação. Se isto porém ocorrer, o presidente não deve governar. Quem não tem um terço de votos na Câmara de Deputados não tem a menor sustentação política. E quem não a tem, num sistema participativo, como declarado na Constituição, não pode exercer o poder.
Desta forma, impõe-se a receita de um forte remédio: ou o presidente o adota, exigindo a deflagração do processo de responsabilização, ou pode, a esta altura, considerar esvaziado o seu mandato e ingovernável o país.

 

E sobre a política, partidos, presidencialismo? Vejamos trechos do texto “Eleições e partidos políticos” (pág. 24):

 

… precisamos, com urgência tentar criar (ou fortalecer) partidos sólidos, comprometidos com determinada ideologia político-administrativa, uma vez que o partido há de ser o canal condutor a ser percorrido por certa parcela da opinião pública para chegar ao governo e aplicar o seu programa. É preciso dar uma basta às organizações partidárias descompromissadas com verdadeiro, real, efetivo, programa de ação, assim como àquelas que, possuindo programa, a ele não atendem. Alguém do povo conhece, por acaso, um programa partidário? É a pergunta cuja reposta ressalta a ineficiência dos partidos como veículo de manifestação de setores nacionais. Liqüide-se, também, de vez, com as legendas de aluguel.
Uma organização partidária sólida é fator de fortalecimento das instituições nacionais, como se verifica de vários países democráticos e desenvolvidos.
…para tanto, impõem-se partidos fortes, o que, talvez paradoxalmente, passa por uma legislação dificultadora da sua formação. E deve-se até mesmo repensar o sistema de governo. Quem sabe, ao invés de aguardar o fortalecimento dos partidos para pensar-se no parlamentarismo, não se deva por ele optar para que os partidos possam fortalecer-se?

 

Como se viu, mostrava-se um defensor da reforma partidária e do parlamentarismo. Tinha até uma proposta, contida no texto “Presidencialismo democrático: estágio necessário” (pág. 103):

Bem por isso, convém ir devagar na mudança de sistema. Em benefício da tese parlamentarista, impõem-se um sistema intermediário, de preparação para adoção integral do governo de Gabinete.
Daí porque o ideal, agora, é um presidencialismo com forte participação do Parlamento na condução das atividades do Executivo. Mas com participação efetiva do Presidente. Essa fórmula não é de difícil adoção. Haveria um Primeiro Ministro (só para exemplificar) indicado pelo Presidente da República mas aprovado por maioria simples dos parlamentares. Este, assim que aprovado, comporia o Gabinete (Ministério) de comum acordo com o Presidente da República, ou seja, o nome de cada Ministro dependeria da aprovação expressa do Presidente da República. Implicitamente a composição do Gabinete teria a participação política do Parlamento dado que o nome do Primeiro Ministro só seria aprovado após uma “costura” política entre as várias forças existentes na Casa Legislativa. Todos sabemos que é assim.
Por outro lado, o mesmo Primeiro Ministro seria exonerado, livremente, pelo Presidente da República ou mediante moção de censura aprovada por 2/3 dos membros do Parlamento.
Se esta fórmula intermediária der bons resultados, daí sim, dá-se o passo seguinte, implantando-se solidamente o sistema parlamentar de governo.
É melhor ir devagar e construir do que depressa e destruir.

A respeito da reeleição para o Executivo:

A possibilidade da reeleição privilegia, assim, o princípio da participação popular porque confere ao povo a possibilidade de um duplo julgamento: o do programa partidário e do agente executor desse programa (chefe do Poder Executivo).
Reeleição, portanto, e por um período, para Presidente, Governadores e Prefeitos.

Sabemos que, caso assuma a Presidência, não serão poucos os seus desafios. Porém, no tangente à estrutura política do país, podemos deduzir que Michel Temer:

  • encara o impeachment como um processo de apuração democrática;
  • compreende a necessidade da reforma política que mexa na estrutura partidária atual;
  • é (ou era?) entusiasta do Parlamentarismo como sistema de governo;
  • tentará a reeleição.

 

Dos quatro itens, estou certo do último. E só deste.

Desejo os demais, até talvez do jeito proposto nos trechos que colacionei dele.

Tenho certeza que, se quiser mesmo entrar para história como um grande presidente, deverá abdicar de seus projetos pessoais e enfrentar temas espinhosos, necessários à recondução do país “aos trilhos”.

A reforma política, de maneira geral, precede as demais, porque não se debate seriamente orçamento, tamanho do estado, economia etc. com um sistema político fadado a manter favores e favorecidos, que parasita a população que “representa”.

A verdade escorre pela boca. Torço que se mantenha coerente com o que dissera.

Marcus Vinicius L. Ramos Gonçalves

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