Começo com a frase atribuída ao Conselheiro Acácio, mitificado na obra “O primo Basílio”, de Eça de Queirós. Vamos aos acontecimentos que, por estes dias, solaparam o bom Direito:

Notícia no. 1: Um comerciante de 62 anos ficou preso desde dezembro de 2015 por ter xingado de “vagabundo, ladrão e corrupto” um juiz que assinou sentença sobre o despejo de sua banca de jornal, em Santo André/SP. Ele foi condenado no mesmo mês a 7 anos e 4 meses de reclusão, por calúnia. Mesmo com a decisão em primeiro grau, foi colocado atrás das grades para manter a “ordem pública”, porque declarou em juízo que continuaria escrevendo as mensagens. O caso foi divulgado no domingo (24/7) no jornal “O Estado de S. Paulo”. No dia seguinte, num surto de lucidez, o desembargador que tinha negado 3 pedidos de Habeas Corpus, considerando “presentes [as] circunstâncias que recomendam sua mantença no cárcere”, recuou. O ilustre magistrado, considerou que era “o caso de me retratar da decisão anterior, conhecer o Habeas Corpus e conceder a liberdade provisória ao paciente”. Para o relator, “parece evidente que não há necessidade da custódia cautelar”. (Confira aqui)

Notícia no. 2: Em um ato realizado na quinta-feira (28/07) na sede da Justiça Federal em Curitiba, o juiz Sérgio Moro voltou a criticar a lei sobre crimes de abuso de autoridade, que está prestes a ser votada no Senado. O protesto foi feito por entidades de classe de juízes e do Ministério Público contra o projeto do senador Renan Calheiros. O famigerado juiz voltou a dizer que ninguém é contra que autoridades que cometam abuso sejam responsabilizadas, desde que os abusos realmente tenham ocorrido, mas ressaltou que a redação atual do projeto, por sua abrangência, corre o risco de punir um juiz por ele ter tomado uma decisão interpretando a lei. (Confira aqui)

Notícia no. 3: em seu comentário na CBN (28/07), o colunista Arnaldo Jabor afirma que o “projeto do Juízo Final pretende implodir a Lava-Jato”. Segundo o mesmo, o projeto (PLC 257) pretende enfraquecer carreiras públicas que se dedicam à investigação e ao processamento de malfeitos. Para o jornalista, no artigo 14 fica claro que, diante da insuficiência de recursos, os governos podem cortar e até mesmo demitir funcionários como promotores e juízes. Esse projeto tem potencial de ferir severamente a Lava-jato, na medida em que torna todos os seus agentes vulneráveis. Retirar garantias da maior iniciativa da história do Brasil contra os desmandos de um país é proteger o Brasil corrupto de que queremos nos livrar. (Confira aqui)

Notícia no. 4: Após ceder a pressão de deputados e funcionários, governo aceitou deixar o Judiciário, o Ministério Público, Defensoria Pública e tribunais de contas nos Estados de fora das novas regras para cálculo de despesas com pessoal. (Confira aqui

Noticia no. 5: Em razão das partidas de futebol dos jogos olímpicos que serão realizadas em Belo Horizonte, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou ontem, na Portaria Conjunta 532/2016, que o expediente forense ficará suspenso nos dias 10 e 16 de agosto. Além disso, haverá modificação de horário nos dias 3 e 12 de agosto, limitado ao turno da manhã, de 8 às 13h. Os prazos processuais que vencem nestes dias ficam prorrogados para o primeiro dia útil subsequente. (Confira aqui)

Basta?

Em pouco mais de uma semana, tantas notícias…nada alvissareiras…

O que lhes parece familiar? Qual o ponto em comum? Em todas, TODAS, percebe-se que o Judiciário e o Ministério Público entendem-se acima da lei. Nem vou falar aqui da resistência e relutância dos magistrados, em todas as searas, em aplicar o novo Código de Processo Civil. Quero abordar bem esse traço: corporativista, descomprometido, autoritário, desrespeitoso.

Sim, sei que estou batendo forte. Mas vou correr o risco…

Nossa Constituição, nosso famoso “livrinho”, logo de cara avisa que nosso sistema optou pela tripartição de funções de poder. Exatamente assim.

Mais ainda: o “livrinho”, no art. 37, determina que a administração pública, em quaisquer das funções de poder, deverá observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Já falei disso neste blog

No entanto, voltemos às notícias.

Reparem: tanto o MP quanto o Judiciário têm  comportamentos cuja tônica é mostrar-se, para sociedade, como entes fortes e poderosos, muitas vezes acima da lei. Foquemo-nos nas notícias aqui trazidas.

Percebam, na primeira delas, que o juiz que foi de alguma forma agredido não fisicamente, processou seu ofensor por crimes contra honra e conseguiu que o seu colega julgador condenasse o ofensor exemplarmente. O ofensor foi preso, sem que houvesse o trânsito em julgado da sentença condenatória, ainda com recurso pendente no tribunal, em total contrariedade ao “livrinho”. Estranhamente, quando a situação veio a público, o mesmo desembargador que negara a liberdade por 3 outras vezes solta o ofensor. Teria mudado sua opinião? Claro que não, a prisão do jornaleiro pobre, que ofendeu uma autoridade, é só mais do mesmo: mexeu com o “puder” sofre, paga bem pago, para nunca, jamais, alguém duvidar que não se deve mexer com o Judiciário…

E as outras?

Nas 3 seguintes sequenciamos o que são capazes de fazer quando têm seus interesses confrontados. Não estão preocupados se é necessário cortar gastos em todos os segmentos de estado. Não estão preocupados se a sociedade, de maneira geral vai pagar a cota do gasto público além da órbita. O que interessa é assegurar que os seus vencimentos não sejam atingidos. Para tanto, movimentam seus lobistas exatamente como outros grupos de interesse o fazem nas casas legislativas (e tanto criticam), pressionando legisladores para que não sejam acometidos pelo aperto do cinto. Usam até o seu “herói nacional” para dar cor e calor ao seu clamor. São hábeis em utilizar a mídia para que também sirva aos seus interesses, em especial, jornalistas desinformados e desatentos, que não buscam informar, mas apenas formar opinião pública. Importa se o gasto público vai estourar e a população vai pagar? Evidente que não. Não são eles, não fazem parte do povo.

Na derradeira, a cara do descompromisso. Não acredito que os processos judiciais em Minas estejam, em todas as Varas e Seções do tribunal, em dia. Tenho certeza que nesses dias sem expediente, réus continuarão presos, crianças não terão alimentos arbitrados, credores continuarão sem seu crédito satisfeito. A providência jurisdicional, que só quem precisa busca, vai ser negada porque é tempo de Olimpíada. A festa será no Rio, contudo, como haverá jogo noturno em BH, parem tudo! Danem-se os que buscam a Justiça e pagam tributos que custeiam os vencimentos dos servidores da justiça. Que esperem! Um mês mais, um mês menos…

Notem: não se sentem servidores públicos. Acham que estão aqui para serem servidos. Não dão importância ao “livrinho” e muito menos à LOMaN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional, lei que rege o funcionamento, de modo geral, no Brasil, do Poder Judiciário). Poderia discorrer, infelizmente, por um sem número de páginas sobre essa situação de descalabro. Todavia, os exemplos recentes, ora narrados, bastam para que se tenha uma noção. São tantas as situações…, no entanto, alguém pode perguntar: E o órgão de “controle” externo do Judiciário, o CNJ? Não faz nada?

Tenho sérias dúvidas sobre a necessária isenção de um órgão de controle e fiscalização que é formado majoritariamente por pessoas do grupo que deveria controlar e fiscalizar (9 de 15 membros são do Judiciário).

Desculpe, não creio. Não é humano ser isento nessa condição.

O fato, do meu ponto de vista, é que o Poder Judiciário, aliado ao MP, pretende tomar conta da cena política, impondo-se como função de poder mais importante do que as outras. Estamos deixando o estado democrático de direito e caminhando para um estado “juristocrático”. Algo semelhante ao regime dos aiatolás…

Dirão que estou exagerando. Talvez. Meu desejo aqui é alertar para o fato, já percebido por qualquer profissional advogado: os juízes não cumprem as leis, entendem-se com intérpretes da vontade do povo, buscando “justiçamento” e não justiça. Pensam que os fins justificam os meios. Esquecem que num sistema democrático de direito o povo faz a lei, via Legislativo. Ao Judiciário, cabe fazê-la ser cumprida, sem interessar a quem ou ao que seja.

Estão brincando com a democracia e com democracia não se brinca.

As consequências vêm sempre depois…

PS: Nesta manhã de sexta 05/08, abro os jornais e me deparo com a notícia de que o juiz Sérgio Moro disse, em audiência na Câmara (sobre o infame projeto de 10 medidas contra corrupção), afirmou que “nem a polícia nem o Ministério Público podem violar a lei a pretexto de praticar a lei”, porém, na visão dele, há casos em que as provas são coletadas de “boa-fé”.O que fez o Ministério Público, baseado na jurisprudência norte-americana, foi estabelecer algumas exceções a mais do que as já previstas na nossa lei. Porque hoje as provas consideradass ilícitas são excluídas. Colocaram novas exceções, uma delas é a da boa-fé, que vem da jurisprudência americana, por exemplo, quando o policial não quis cometer um ilícito ao coletar aquela prova, mas se equivocou de boa-fé”. Disse ainda ser favorável aos testes de integridade, desde que a lei estabeleça que só poderão ser aplicados se houver “fundada suspeita de que o indivíduo está envolvido em crimes relacionados ao exercício da função”.

Pergunto: como assim?????

Estão vendo do que estou falando?

 

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).

mvgoncalves@brgadvogados.com.br

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