Hoje poderia começar com a carta escrita pela “presidenta inocenta” (sic). Também poderia abordar a decisão do Ministro Teori Zavascki para investigar Lula, Dilma e Cia. por crime de “obstrução da justiça”. Mas não o farei. Nem vou comentar sobre a manchete usada pelos meios de comunicação que falaram dessa decisão do Teori, os quais chamo de opinião que publica. Novamente tentando fazer de sua opinião, opinião pública… O texto é ruim o suficiente. Nem teve o cuidado de se ater ao necessário e precioso rigor técnico. Não existe crime de obstrução de justiça. O que existe de fato, no Código Penal, são os chamados “Crimes contra a Administração da Justiça” (Art. 338 – Art. 359). Isso serve, caro leitor, para que sempre tomemos cuidado com o que se veicula e publica por aí. Não há nenhuma preocupação em se passar informação correta.

Todavia, os acontecimentos, sempre eles, nos levaram para outros caminhos.

Vou bater na tecla do que chamo de cinismo estatal. Sim, o Estado brasileiro é cínico. Muito cínico. Reparem que, em todas as funções de poder (legislativo, executivo, judiciário e, ops, MP) o estado é cínico.

Comecemos.

Em curto espaço de tempo, empresas de transporte de valores foram vítimas de verdadeiras ações de guerra. Pessoas com armas privativas de forças militares invadiram suas sedes disparando, explodindo, incendiando. Algo assim para deixar verde de inveja qualquer filme estadunidense. O último episódio então foi um primor de planejamento e estratégia militar. Fecharam as saídas dos batalhões da PM próximos às possíveis rotas de fugas em 3 municípios da Grande São Paulo. Essa ação organizada, de crime organizado que conhece bem a fraqueza de estado desorganizado, está gerando consequências como a desvalorização dos imóveis circunvizinhos e o recolhimento dos moradores do entorno mais cedo por conta do medo. Bem e qual a atitude tomada pelas autoridades, pelo estado? Eis a pronta resposta do estado, vinda do legislativo bandeirante:

PL615/2016 – ALESP 

Artigo 1º – Fica proibida, no Estado de São Paulo, a instalação de empresas de transporte de valores em perímetro urbano.

  • 1º – A instalação deverá ocorrer em áreas rurais e em locais onde não existam colônias agrícolas, condomínios rurais, ou áreas com adensamento populacional.
  • 2º – As empresas referidas no caput, que já se encontram instaladas em perímetros urbanos, terão um prazo de 2 (dois) anos, a contar da publicação da presente, para providenciarem um novo local, dentro das especificações aqui estabelecidas, para exercerem suas atividades.

Genial, vamos combater o crime na cidade tirando a vítima da cidade! Levemos a vítima para o campo! F A N T Á S T I C O.

Deve ter alguém querendo vender imóveis rurais… como o mercado está em crise vamos criar um novo mercado.

Só pode ser isso. Mas se for isso, é menos ruim. Porque tem cara de ser mais burrice mesmo, falta de visão de estado! Obtusos! Cínicos!

Então, como na piada popular, vamos vender o sofá!

Resolveram o problema assim.

Não se viu nenhuma autoridade paulista falar nada. Calaram. Saíram-se com essa. Onde estão? O picolé de chuchu que nos governa nem apareceu.

Claro, arranjaram um “jeito”.

A empresa que se mude. Os incomodados que se mudem!

Vai faltar passagem!

Notem o cinismo. Transferiram um problema de segurança pública, P Ú B L I C A, para o ente privado. Não interessa saber como armas militares vão parar nas mãos dos bandidos. A empresa que arranje dinheiro e compre um pedaço do céu na zona rural.

Fácil gerir assim. Aquilo que é de minha responsabilidade, constitucionalmente de minha responsabilidade, não importa. Achei um atalho para a solução. É assim que pensam.

Tem mais. Onde está a opinião que publica? Não vi nenhum “pseudo intelectual” vociferar em sua coluna aqui ou acolá qualquer coisa sobre esse absurdo, sobre essa inércia estatal ou sobre essa dinâmica de estado que não assume suas responsabilidades e transfere para o outro o que é seu dever.

Poderia me estender e dar outros exemplos dessa ação e intromissão de estado que fragilizam o ente privado e arrebentam com a ideia de empreender e viver no Brasil. São tantos os casos. Darei 2 exemplos curtos: 1) tempos atrás um decreto municipal soteropolitano proibiu o UBER, mesmo não sendo de competência municipal dispor sobre isso; 2) em recente decisão, o TJ-RS entendeu a imunidade tributária de ITBI na formação do capital de social por imóveis de forma diferente da letra do texto constitucional (nosso malfadado e desrespeitado “livrinho”). Sem falar nas decisões de primeira instância que vez por outra suspendem o WhatsApp

Contudo, reparem, há um traço comum na conduta: o estado brasileiro não cumpre a lei, não assume suas responsabilidades e transfere os seus ônus para os entes privados.

Age como se não fosse com ele. Cínico. Sempre cínico.

Vendamos o sofá…

Não!

Proibamos o sofá!

  

Marcus Vinicius Ramos Gonçalves

Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).

mvgoncalves@brgadvogados.com.br

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