E as urnas deram seu recado. Alguns entenderam que o recado foi um sonoro NÃO ao PT. Também foi. Mas em menor escala. Os recados, no meu modesto entendimento, são outros. Abordarei dois, justamente aqueles que julgo serem os que mais “gritam”.
Usando a capital paulista como amostra, a vitória em 1º turno do candidato Dória não representa, necessariamente, a vontade do povo. Não é exatamente uma vitória da coxinha sobre o pão com mortadela. Creio que é a uma clara amostra de que, os que aí estavam, conhecidos, não mais conseguem criar expectativas positivas. O vencedor proclamava não ser político (por mais incongruente que isso seja) e, também por isso, conseguiu canalizar um grande fluxo de votos. Minha percepção é de que os paulistanos quiseram resolver logo, sem entregar o cargo para aqueles que, de um jeito ou de outro, já conheciam. Foi uma espécie de “já que é pra resolver vamos resolver já”. O sinal dado é de cansaço. Em que pese a campanha ter sido mais curta, deu “gastura”.
Essa “gastura” dividiu o eleitorado em dois grupos: os que escolheram um candidato e os que escolheram NÃO escolher um candidato. Essa opção pela não escolha fica representada pelo não comparecimento ao pleito, pelo voto em branco e pelo voto nulo. Reparem que isso não significa uma não participação do processo. Ao escolherem não escolher, estão escolhendo.
Sendo assim, o grande vencedor foi o “NÃO”. Na média nacional, 17,85% dos eleitores não foram as urnas. Em São Paulo, 21,84%. Ainda com foco na capital paulista, 5,29% votaram em branco e 11,35% votaram nulo. Somando tudo, em São Paulo, 3.096.304 eleitores disseram não ao processo político eleitoral. O número é maior que o número de votos do vencedor. Pode ser que os números contenham algum pequeno erro, pouco mais pra lá ou pra cá. Porém, dos mais de 8,8 milhões de eleitores em São Paulo, 38,48% decidiram dizer, direta ou indiretamente, “não quero nenhum desses”. Números, sempre eles…
Todavia, esse grande número do “NÃO” deve ser entendido como prova de que nosso “livrinho” (a coitada da Constituição Federal), aos 28 anos, é uma jovem moribunda. Nosso sistema político eleitoral faliu. O sistema de representação que temos não mais nos atende. Ainda usando as recentes eleições como pano de fundo, temos vereadores que caminham para 9 mandatos. São 36 anos sentados na cadeira. Os candidatos na eleição majoritária, reparem, são os mesmos de 20, 30 anos atrás. O processo está fatigado? Não, está morto!
O voto obrigatório está morto. O sistema partidário está morto. O sistema proporcional está morto. A reeleição está morta.
Na verdade são mortos-vivos, zumbis. Vivemos na Zumbilândia. São zumbis de todo tipo.
No entanto, ao expor o problema entendo que temos o dever de apontar soluções. Sem adentrar à necessidade de fazer uma nova carta constitucional, ideia da qual sou partidário, podemos mexer no sistema político eleitoral sem uma nova constituição. Como? Existem propostas de emenda constitucional (PECs 36, 113A etc) aguardando seu “desfecho” no Congresso. Com base nelas, no que está aprovado e no que não está aprovado, faço minhas sugestões:
- Tornar o voto facultativo;
- Acabar com a reeleição consecutiva para cargos do Executivo;
- Limitar a 2 mandatos consecutivos no Legislativo, da mesma casa legislativa.
- Proibir a eleição de parentes de exercentes de cargos eletivos para os mesmos cargos subsequentemente aos mesmos.
Depois de 30 anos de democracia razoavelmente organizada, não existe razão para o voto continuar obrigatório. Um direito como este deve se relacionar com a liberdade e consciência do seu uso e não compulsoriamente ser exercido. As maiores democracias do mundo têm índices de participação pouco menores que os nossos. Se queremos, efetivamente, garantir a participação de todos, podemos incrementar o uso de aplicativos eletrônicos para votação. A tecnologia pode ser uma valiosa aliada para isso. Nessa mesma linha, o uso da tecnologia poderia estimular a participação popular direta, permitindo a facilitação e o barateamento de instrumentos como o referendo e o plebiscito. Estas seriam sim boas ferramentas de controle e participação do povo nos rumos do país.
O fim da reeleição para o Executivo e o limite de reeleições no Legislativo são boas formas arejar a política, permitindo que novas e revigoradas lideranças surjam. Quem sabe recrudesceriam verdadeiras políticas de estado. Sem a perspectiva de entronização, nossos representantes poderiam ser menos populistas, realizando o que tem de ser feito, como forma de deixar um valoroso legado. Não teriam a perspectiva da reeleição logo ali.
Por derradeiro, talvez a mais polêmica: a proibição que parentes se elejam como “sucessores”. Bem possível que a reeleição e o limite dela até sejam aprovados. No entanto, a proibição das “famílias” gerará muita controvérsia…
Em verdade, o que devemos observar é que a mensagem foi dada. O sistema está ruindo. Antes que o céu desabe sobre nós, precisamos ter a coragem de lutar pela mudança.
Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).
mvgoncalves@brgadvogados.com.br
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