Seguramente já ouvimos frases no sentido do título deste texto. Também é sabido que uma casa, bem construída, firme, deve ter bons alicerces. A analogia que traço aqui é justamente sobre teto, casa, chão, fundações. Nestas últimas semanas tudo que se ouve é a revolução que a PEC 241, a famosa “PEC do Teto”, realizará na vida do país. Existe até um site . Lá dizem que se você for contra a PEC é contra Brasil. O avanço dela no Congresso tem sido usado como indicativo de governabilidade do atual presidente.
Mas do que fala a PEC do Teto? A famigerada PEC, altera o texto do nosso “livrinho”, mais exatamente no ato das disposições constitucionais transitórias, estabelecendo que “para todos os Poderes da União e os órgãos federais com autonomia administrativa e financeira integrantes dos Orçamento Fiscal e da Seguridade Social, o Novo Regime Fiscal, que vigorará por vinte exercícios financeiros, (…) será fixado, para cada exercício, com base no limite individualizado para a despesa primária total do Poder Executivo, do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, inclusive o Tribunal de Contas da União, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União, que corresponde ao valor do ano anterior corrigido pelo IPC-A .”
Traduzindo: a União (incluindo todas as expressões de função de poder) não poderá gastar no ano seguinte mais do que gastou no anterior, corrigido pelo IPC-A.
Caso não respeite esse limite, fica impedida de contratar, realizar concursos, dar aumento de pessoal, conceder incentivos tributários etc etc etc.
Muito bem, muito sábio. Vamos limitar o teto do gasto. Bom sinal.
Na sua casa, quando as coisas não vão bem, quando sua renda não anda lá estas coisas, o que você faz? Limita, pura e simplesmente, o teto de gastos? Ou será que você adapta o seu gasto à sua receita e rediscute o seu porquê?
Que me perdoem os economistas/governistas, mas creio que, de novo, estamos vendendo o sofá…
Evidente que é importante limitar o gasto. No entanto, não seria também MUITO apropriado discutirmos a qualidade do gasto? Como podemos pensar no teto do gasto sem pensar na razão de gastarmos?
Desculpem se pisei no calo.
E tenho exemplos aos borbotões. Vejam o site da Câmara dos Deputados. Cada deputado tem, só pra exemplificar, R$ 78.000,00 mensais para contratação de pessoal. Multiplique por 513. O Senado Federal custa aos cofres públicos, por senador, mais de R$2 milhões anuais. Quantos exemplos mais? Podemos falar de carros oficiais (do executivo, legislativo e judiciário), de verba moradia etc. Recente estudo mostra que o ingressante na carreira pública federal tem salários até 200% maiores que a iniciativa privada. Estes são alguns exemplos que ilustram o que devemos discutir de verdade. Devemos debater a qualidade do gasto. Não só o seu teto.
Demais disso, deve-se abordar a receita. Sim, falar de gasto sem falar de receita fica estranho, para dizer o mínimo. Somos um país de carga tributária brutal, regressiva e indireta. Em verdade, quem mais paga tributo no Brasil é o pobre, porque o coitado despende toda sua renda no consumo de bens e serviços escorchantemente tributados (alimentos, roupas, luz etc).
Temos um grande número de tributos, uma alta carga tributária e, contudo, uma série de isenções e imunidades tributárias que desoneram muitos grupos que possuem forte articulação política.
Podemos abordar a imunidade tributária para entidades religiosas, por exemplo. Qual a razão dessas PJ’s não pagarem tributos sobre renda, patrimônio e serviços?
Peguei pesado? Ok, porque não questionarmos o tamanho da desoneração das micro e pequenas empresas? Quais países (sérios) do mundo têm limites de exoneração tão generosos para empresas?
Sem falar no setor financeiro…
Estão percebendo?
Peço que perdoem o limite dos exemplos. Não quero cansá-los…Poderia dar mais de uma centena deles…
A pergunta que deve ser feita é a seguinte: limitar o teto é uma solução verdadeira? Ou estamos fazendo tudo “pra inglês ver”, para recuperar o “investment grade” ?
Gostemos ou não, enquanto não nos debruçarmos sobre a qualidade do gasto e da receita continuaremos nos iludindo. Gasto público tem que ser visto e revisto, todo ano, pensando exatamente naquele que é o destinatário da coisa pública, o povo.
Com muita franqueza, ficaria feliz em saber que, ao criar um teto, colocaríamos as coisas em ordem. A crítica feita não é no sentido de contestar a necessidade de se ter um limite rigoroso de gastos, contudo, muito ao contrário, é para alertar que a conversa deve ser aprofundada, não pode ficar na superfície do problema. O “como” tem a mesma importância do “quanto”. O critério qualitativo do gasto deve ficar no nosso radar, deve ser meticulosamente verificado. Quem sabe, desta maneira, discutindo também a razão do gasto, o estado brasileiro deixe de ser esse fardo na vida de cada brasileiro.
O debate é mais embaixo, deve começar pelo alicerce, pelo chão. Temos que pensar na casa que queremos ter e não só no seu teto.
Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desen. Empresarial).
mvgoncalves@brgadvogados.com.br
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